quinta-feira, 1 de maio de 2008

A cortante briza gélida de um inverno atípico perpassando meu rosto relembrava uma paisagem antiga de minha infância na qual eu fitava as ondas do mar do alto de uma rocha úmida a, talvez, uns 25 metros de altura.
Naquela ocasião, não fora o chamado da minha mãe para a janta, eu teria continuado a fitá-las por horas a fio, até que, sem notar, a noite chegasse e recobrisse minha visão. Porém, no fundo no fundo, aquele momento eterno nunca acabaria, ficaria marcado e em aberto nos meus pulmões.
É engraçado como o nosso cérebro consegue linkar as imagens e sensações que temos hoje com coisas que passaram e que, muitas vezes, nem eram tão parecidas assim com as de agora. Essa nossa capacidade de interpretar de formas diferentes o passado e o presente me cria uma dúvida sobre a total veracidade de tudo aquilo que lembramos, ou melhor, pensamos lembrar.
Certa vez li um livro chamado "Não verás país nenhum" de um cara sobre o qual nunca li mais nada além do nome na capa do livro. No entanto, admiro-o pela simples (ou seria complexa?) e perigosa habilidade de criar na minha cabeça essa dúvida sobre a nossa capacidade de discernir o que é real. No livro, bem, acho que cabe a vocês lerem e pensarem sobre ele. Pode ser que ninguém mais seja capaz de ver o mesmo que eu vi. E, na verdade, o acho o mais provável.
O que importa, contudo, é que, cresci e me tornei o que sou hoje baseado, ou influenciado, ou, no mínimo, incomodado com essa dúvida. Vivendo meus relacionamentos, meu trabalho, meus ideais, fundado em idéias e pensamentos que nunca me pareceram completamente reais e sim, criações da minha mente, que, diga-se de passagem, é uma mente bem fértil.
Todo esse incômodo me trouxe ao que hoje chamo de visita ao passado, esse momento de perplexidade sobre as divagações que faço à beira de uma visão um tanto inquietante que é essa da cidade de São Paulo vista do 50º andar ao anoitecer.
Outra coisa que sempre me fez pensar foi essa visão dos carros passando, e de tantas pessoas vivendo suas vidas indiferentes ao que se passa na vida dos outros porque, simplesmente, é impossível se dedicar à vida dos outros quando nem para a nossa nós temos mais tempo.
Quem diria que chegaríamos a esse ponto? Uma total vida solitária, onde os outros não passam de máquinas ao nosso ver, incapazes de sentir ou nos darem coisas que há muito esquecemos que existíam. Ou será que deveríamos ter esquecido e fizemos questão de manter guardado, de forma que pudéssemos nos perguntar se era realmente diferente ou se só vivemos criando ilusões nas quais nos segurarmos a fim de confortar a tristeza e opressão de uma vida sem sentido?
Quando era jovem eu costumava parar e ficar observando as formigas passando na parede, fazendo sempre o mesmo caminho, aparentemente organizadas, vivendo uma vida sem graça, em busca de comida. E eu brincava dizendo que elas eram um programa muito simples feito por Deus, ou seria uma versão alpha do que viria a ser um ser humano. Só o que sei é que, agora, olho para os humanos como os mesmos programas simples e mal escritos que eram as formigas ao meu ver de adolescente.
E essas luzes passando me acalmam e encorajam... coragem, necessária para viver e morrer, para iniciar e terminar, necessária para criar e pensar, necessária pra esquecer. Esquecer que agora, as luzes que se aproximam cada vez mais rápidas não se importam com o início ou fim de coisa alguma.

[Uma pequena dedicatória à Clarissa, a melhor escritora de contos que já tive o prazer de conhecer]

5 comentários:

Anônimo disse...

"...tantas pessoas vivendo suas vidas indiferentes ao q se passa na vida dos outros pq, simplesmente, é impossível se dedicar à vida dos outros qndo nem para a nossa nós temos mais tempo."

Talvez isso explique pq as pessoas são tão frias. E me arrisco a dizer q, talvez, o q eu preciso é mais calor humano.
Ñ sei...

Enfim, mais um post seu q me dxa a pensar...
Vc é especialista nisso, sabia?

WillianValle. disse...

bom, para mim sempre foi claro uma coisa: é mt mais natural para um adolescente pensar verdade universal que um adulto.

lembro que adorava pensar na verdade do universo, porem hoje minha mente se cansa de pensar.
embora não sejam muitos, meus outros problemas estão ocupando esse setor.
"adultos" são meio burros..

não tem muito haver com o tema. mas pensei nisso durante a leitura ^^

\o
o titulo do blog é mt pessimista.

Thiago M. disse...

1º - Num post falando de lembranças, linkado me lembra de problemas demoníacos. Vinculado, ligado, seria menos traumático :P


2º - Engraçado você ter dito isso, pois ao deitar no gélido chão para brincar com meu cachorro, acabei de senti o frio que marcou algumas passagens da minha vida. E lembrei de uma festa junina long lost...

Definitivamente estamos vivendo muito tempo juntos XD


3º - Sobre a veracidade de tudo, acho que é mal de livro abordar esse tema. Sempre lembro do grande Machado e seu "o que julgo ter visto".

Mas o melhor é ver o homem em busca da verdade absoluta. Quando ele mesmo prova que por E=mc² que tudo é relativo.

E mutável. Por que uma verdade não pode ser uma verdade pra uma pessoa num determinado momento? Variáveis bool não são todas cons, podem ser alteradas programa adentro...


4º - Sobre "Uma total vida solitária, onde os outros não passam de máquinas", me recorda duas passagens...

A que me faz muito querer ser um médico, o sorrir para os que por mim passavam.

E o meu trabalho de Empreendedorismo, que eu inaugurei com um So Many Possibilities.

E acho que não é bem por ai.


5º - Seres Humanos não são programas, são bibliotecas. Tem um monte, mas a gente só importa algumas que são "necessárias" para nossas vidas.

E são Orientadas a Objeto. Cada Ser Humano lança um monte de exceptions. Nos impressionam, nos surpreendem...

Cabe a nós tratarmos essas excessões, seja de forma individual, seja de forma (...), seja por um re-throw ou mesmo por um erro mesmo. Só não podemos é deixar se tornar um erro fatal, que nos leve a um "o seu programa será fechado."


6º - E é assim a vida. E é bonita, é bonita...


7º - Observações adicionais no MSN ;) Mas não posso deixar de dizer que adorei o texto. Sou horrível em interpretação e já teria que lê-lo 20 vezes, mas esse eu faço questão de que sejam 40.


8º - Desculpa qualquer coisa.

Anônimo disse...

Quanto à possibilidade de conhecer, não acredito numa neutralidade. A construção do conhecimento, das lemnbranças é uma relação entre um sujeito e um objeto...esse sujeito não tem como ser completamente neutro...como aprendemos na 1a aula de física: tudo depende do referencial.

Já quanto ao individualismo, acho que estamos construindo o nosso fim. O homem não foi feito para e nem sabe como viver sozinho. Estamos nos fechando, tornando-nos ilhas...haverá um momento no qual estaremos muito longe, incapaz de ter relações homem-homem (sem comentários gays, por favor). Nesse momento, o ser humano, seja como um animal politico, seja como um animal social, seja como ser racional deixará de existir. Pois é: o fim da humanidade é como um cancer: nasce dentro da humanidade, se alimenta dela e a mata. =**

Anônimo disse...

thyago, todas as vezes que eu leio as coisas que vocês escreve você me deixa pensando nisso o dia todo u.u
uhuhauhuahuha
mas eu concordo com você e com os dois primeiros comentários, os adultos pararam de pensar sobre a vida e a gente precisa é de mais calor humano...

^^